segunda-feira, janeiro 19, 2009

Que méritos teria eu?...

Que méritos teria eu para merecer tua chegada, amor, se te esperasse parada, presa aos meus antigos usos e cronômetros? Seria certamente afogada pelas vagas dos tempos.

Que méritos teria eu para apreciar tua chegada, amor, se te esperasse sem gozar e sem sorver a vida? Se não me desse o que é de mim, para mim e para outros? Se não brincasse a cada dia com a possibilidade de não te amar? Ou ainda, de te esquecer?

Que méritos teria eu para gozar tua chegada, amor, se quando tu viesses eu não tivesse a oportunidade de te dizer não? Não, amor, não entres mais em mim. Minhas portas e minhas pernas se fecharam para ti. E não chores, pois não serei eu que secarei tuas lágrimas, depois que tu quase me deixaste afogar no meu pranto que eu julgava ser teu também.

Que méritos teria eu para viver tua chegada, amor, se eu continuasse a não me reconhecer sem ti? Sem que te pudesse dizer: "Muito prazer, esta sou eu"? Sem que me fosse possível gargalhar de teus medos?

Que méritos teria para ver tua chegada, amor, se ainda me conservasse sem me enxergar? Se eu tivesse permanecido, seria melhor que nem viesses. Vieste, no entanto...

terça-feira, dezembro 23, 2008

Meu mapa de riscos

Eu não tenho afinidades com a exatidão. Meu campo semântico não é este. Admiro a perfeição quase poética dos números como um recém-nascido admira uma sinfonia: sem indiferença, mas também sem entender o que se passa.

Talvez por essa razão, eu não saiba calcular riscos. Apaixono-me pela beleza de rostos inexatos, sorrisos apinhados de promessas, barbas por fazer... Aventuro-me com signos e senões, incertezas de amor e juras impossíveis. Evito prometer-me ao amanhã. Consagro-me ao instante.

Sou dada ao instantâneo e ao fugaz. Os prazeres da carne alimentam o espírito. O orgasmo e o êxtase místico me são parelhos. Guardo nos descaminhos de minha pele todos os altares. Comungo a hóstia de muitas carnes, nos corpos de todos os meus Cristos.

Se sou pregada à cruz da desilusão, bebo o vinho tinto de sangue que celebra o torpor; depois misturo hóstia e absinto. E lembro nas palavras as dores, para esquecê-las em mim. Assim é meu mapa de riscos.

domingo, dezembro 07, 2008

Onde estive?

Há mais de dois anos em silêncio... Onde estive? Não importa, de fato não importa.

Que importa se eu tenha ido a festas ciganas, igrejas, raves, concertos, rituais de magia, giras de santo e de Exu? Dizê-lo não comunicaria as marcas de meus pés ou de meu rosto.

Também não é importante dizer em que camas deitei, ou que homens e mulheres se deitaram em minha cama. Isso não me faria mais real. E sequer me faria mais mulher.

Por essa razão, volto às palavras respeitando o silêncio desses anos. Porque a realidade vaza para além de toda expressão, para o plano mavioso do que não é dizível, para a exatidão efêmera de tudo quanto é inefável...

domingo, setembro 17, 2006

Eu te procuro...

Eu te procuro atrás das sombras. Na cama em que nos deitamos, não te acho. Sob os lençóis, não estás... Sinto falta de tua presença física. Sinto falta de ser tua.

Mas a falta maior que sinto não é essa. Sinto falta de habitar o cerne de tuas palavras. Sinto falta da tua poesia latente azulando os meus céus. Sinto falta de teus telefonemas às duas da manhã, da tua voz, do teu sotaque.

Eu sei bem a forma como estas canções que agora oiço te tocariam. Como tua face se elevaria num grande sorriso com o soar do acordeão, ante a melancólica beleza destes sons. Esta é nossa atmosfera onírica, poética, sonora, transcendental. Somos e soamos quase à exatidão destes sons.
Mas tu não estás aqui para ouvi-los comigo e dentro de mim...

sábado, setembro 16, 2006

Embebedando a solidão

O espírito do vinho desce como um diabo queimando e afagando a minha solidão. Ao fundo, homens que parecem mais embriagados do que eu cantam uma melodia num francês que, obviamente, desentendo de todo. Estou nua nos meus sentimentos. E sinto, sinto, sinto...

"I'm lost but I'm not stranded yet", me canta um dos homens, dans sa paranoïa ou dans sa schizophrénia, num inglês que transborda seu sotaque francófono. Inundo-me no pensamento de que os homens talvez estejam tocando para mim e talvez me vejam, nua, sentada em minha cama. Ou que talvez a campônia que pisou nas uvas que se transformaram neste vinho que tomo esteja me adentrando com este dionisíaco líquido rubro. Desejo-os, a campônia e os franseses perdus, sensualmente, na minha embriaguez.

Mas nem a companhia imaginada desses seres me faz menos só...

Palavra de Mulher

(Chico Buarque)
Vou voltar
Haja o que houver, eu vou voltar
Já te deixei jurando nunca mais olhar para trás
Palavra de mulher, eu vou voltar
Posso até
Sair de bar em bar, falar besteira
E me enganar
Com qualquer um deitar
A noite inteira
Eu vou te amar

Vou chegar
A qualquer hora ao meu lugar
E se uma outra pretendia um dia te roubar
Dispensa essa vadia
Eu vou voltar
Vou subir
A nossa escada, a escada, a escada, a escada
Meu amor, eu vou partir
De novo e sempre, feito viciada
Eu vou voltar

Pode ser
Que a nossa história
Seja mais uma quimera
E pode o nosso teto, a Lapa, o Rio desabar
Pode ser
Que passe o nosso tempo
Como qualquer primavera
Espera
Me espera
Eu vou voltar